Você está ficando mais inteligente com a IA ou apenas mais dependente?

Por Renato Ornelas, fundador e CTO da OpenX

Esses dias, vi um tweet que me fez refletir profundamente. Um professor universitário dos Estados Unidos, da área de banco de dados, comentou algo curioso: sua nova turma parecia brilhante. As tarefas eram entregues com uma qualidade impressionante. Mas algo estava estranho, os alunos não apareciam em seu escritório para tirar dúvidas, não interagiam nos fóruns e, quando chegou a hora da prova, a média foi a pior dos últimos 10 semestres.

Rapidamente, os comentários no post apontaram um possível motivo: os alunos estavam usando o ChatGPT para fazer as tarefas. E aí a conta não fecha. Porque parecer brilhante não é o mesmo que ser brilhante.

Essa história resume bem o problema que estamos começando a viver com o uso indiscriminado de ferramentas de inteligência artificial. E não se engane: esse problema não está só no ambiente acadêmico. Ele já chegou com força total no nosso mercado técnico.

A ilusão da eficiência

Temos à nossa disposição ferramentas poderosas: ChatGPT, Copilot, geradores de código, ferramentas que montam configurações de rede, criam scripts, sugerem correções. Mas a pergunta é: será que você está realmente aprendendo com elas? Ou está apenas terceirizando o entendimento?

A forma como nós, humanos, aprendemos é baseada em experimentação, erro, correção e repetição. A gente constrói o conhecimento como uma escadinha: degrau por degrau. Cada nova informação precisa se apoiar em algo que já foi assimilado.

Mas quando você recebe algo pronto, um código, uma configuração, um conteúdo, sem esforço, você não entende o processo. E se não entende o processo, não consegue resolver um problema quando ele aparece.

O risco não é só teórico

Essa semana mesmo vi um caso real. Uma pessoa usou uma ferramenta de IA para criar um SaaS. A ideia era documentar o processo e mostrar como é fácil criar uma aplicação com inteligência artificial. O resultado? O código estava cheio de falhas, e a aplicação fazia chamadas para uma API sem qualquer proteção. Isso gerou um custo altíssimo. A automação foi rápida, mas o preço da falta de conhecimento foi alto.

E olha que curioso: esse tipo de erro não vem de má intenção. Vem da falsa sensação de que você sabe o que está fazendo, porque algo foi gerado rapidamente na sua frente.

Resolver problemas será a skill mais valiosa do futuro

Aqui na OpenX, temos insistido muito em uma mensagem: saber resolver problemas vai ser a habilidade mais importante dos próximos anos. Seja em rede, em código, em sistemas, em infraestrutura, quem sabe construir e consertar será cada vez mais valorizado.

E mais: saber usar a IA com inteligência também vai ser uma habilidade rara. Não adianta pedir para o ChatGPT “escreva um e-mail” ou “gere uma configuração de BGP”. Se o seu prompt for genérico, a resposta será superficial. Criar bons prompts vai virar uma profissão. E não falo isso pensando em um futuro distante, falo de algo que já está acontecendo agora.

A IA nunca vai dizer “não sei”

Esse talvez seja o maior perigo da IA: ela sempre vai te responder alguma coisa. Mesmo quando não sabe. E se você não tiver o conhecimento necessário para validar aquela resposta, você pode seguir confiante por um caminho completamente errado.

Lembro de um caso aqui no nosso time. A gente precisava simular um cenário de rede que vimos num fabricante. Pedi para o ChatGPT gerar a configuração com base na descrição do problema. Ele me entregou algo que, num primeiro momento, parecia perfeito. Mas quando fomos colar no roteador… nada daquilo existia. Nenhum dos comandos fazia sentido.

O ChatGPT nunca vai te dizer: “desculpa, isso eu não sei”. Mas nós, humanos, temos essa capacidade e é isso que nos leva a buscar, estudar, refletir e resolver de verdade.

Curiosidade, cultura e aprendizado constante

Termino com uma lembrança de infância: eu sempre gostei de abrir os brinquedos para ver como funcionavam por dentro. Essa curiosidade moldou meu jeito de pensar até hoje. Só que hoje vejo muitas crianças (e adultos) que perderam isso. Tudo tem que estar pronto, fácil, resolvido.

Esses dias vi uma piada que é a mais pura verdade: “minha geração é a mais ferrada da história, porque teve que configurar a impressora para os pais e agora configura para os filhos.” E daqui a 20 anos? Quem vai saber configurar uma impressora?

A tecnologia pode e deve nos ajudar. Mas ela nunca deve substituir a nossa sede por entender!

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